Superar a violência por parte do parceiro íntimo através do diálogo

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Desde 2019, a Iniciativa Spotlight permitiu a mais de 530.000 pessoas o acesso a uma melhor resposta à violência baseada no género, aconselhamento, e serviços de saúde sexual e reprodutiva. Foto: UNICEF Moçambique/Ricardo Franco
7 dezembro 2021

NAMPULA, Moçambique - Cacilda Afonso, de 31 anos, é uma das três mulheres moçambicanas que pode vir a sofrer abusos nas mãos de um parceiro. Cansada de 12 anos de insultos, negligência e ameaças de abandono por parte do seu marido, decidiu agir e pedir o divórcio no Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) local, na cidade de Nampula.

"Dizem que as mulheres não podem ter voz, liderar ou falar. Isto tem de acabar, porque as mulheres têm os mesmos direitos [que os homens].", Cacilda Afonso, sobrevivente de abuso por parceiro íntimo

“Ele não me respeitava... e nós não conseguiamos resolver os nossos problemas", conta Cacilda. Tendo em conta a sua questão, Cacilda foi encaminhada para o Centro de Assistência Integrada (CAI) mais próximo, e lá foi-lhe oferecido aconselhamento para casais.

Cacilda e o seu marido, Mário Luís, de 34 anos, foram atendidos no CAI da cidade de Nampula. Este é um dos 24 centros geridos pelo Governo que disponibilizam de forma integrada serviços de saúde, acção social, polícia e justiça, prestando cuidados vitais, especialmente a mulheres e raparigas vítimas de violência em todo o país.

ACONSELHAMENTO COMO ANTÍDOTO CONTRA A VIOLÊNCIA 

Para surpresa de Cacilda, tudo mudou para melhor após o aconselhamento. "Recebemos muitos conselhos e ambos percebemos que o que fizemos não era normal", diz ela.

No centro, o casal aprendeu a resolver as suas diferenças através do diálogo. "Se algo nos incomoda, não podemos responder com violência: é preciso falar sobre as questões", diz Mário.

Ambos aprenderam sobre os desequilíbrios estruturais de poder entre mulheres e homens que contribuem para a perpetuação da violência: "As mulheres não falam com medo de perderem o seu lar, [enquanto] nós homens dizemos que nós é que mandamos em casa", diz Mário.

"Dizem que as mulheres não podem ter voz, liderar ou falar. Isto tem de acabar, porque as mulheres têm os mesmos direitos [que os homens]", afirma Cacilda.

Cacilda Afonso encontrou aconselhamento para responder ao abuso que sofreu na sua relação
Com o apoio da Iniciativa Spotlight , Cacilda Afonso encontrou aconselhamento para responder ao abuso que sofreu na sua relação. Na foto, Cacilda com o seu marido, Mário Luís, o casal aprendeu a resolver as suas diferenças através do diálogo. Foto: ONU Moçambique/Laura Lambo

VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO 

A violência por parceiro íntimo é uma das formas mais comuns de violência contra as mulheres e inclui abuso físico, sexual e emocional, e comportamentos de controlo por parte de um parceiro íntimo. Dados da Organização Mundial de Saúde mostram que o fardo global esmagador da violência por parceiro íntimo é suportado pelas mulheres.

Os dados do último Inquérito Demográfico e de Saúde (DHS 2011) mostram um elevado grau de tolerância em relação à violência: uma em cada quatro mulheres inquiridas considerava que tinha justificação o marido bater na sua mulher por, pelo menos, uma das cinco razões especificadas: se a sua mulher queimar a comida, discutir com ele, sair sem lhe dizer, negligenciar os filhos ou recusar-se a ter relações sexuais.

No caso de Cacilda, discussões frequentes desencadearam abusos psicológicos por parte do seu marido, os quais ela aceitou durante a maior parte do casamento. Tendo superado a violência por parceiro íntimo através do diálogo, Cacilda oferece agora conselhos a outros que passam pela mesma experiência. "Recomendo aos outros que procurem apoio [no centro] para resolverem os seus problemas", diz ela.

Os Centros Integrados de Assistência são cada vez mais reconhecidos pelas comunidades como espaços seguros, nos quais a comunidade pode confiar para ajudar a resolver casos de violência. Estes centros trabalham como pontos de "paragem única", que permitem aos sobreviventes da violência denunciar o seu agressor, procurar cuidados médicos e aceder a aconselhamento num único local, sem ter de recontar a sua história várias vezes ou reviver o seu trauma, evitando a revitimização.

Desde o seu lançamento, em 2019, a Iniciativa Spotlight, um programa liderado pelo Ministério de Género, Criança e Acção Social (MGCAS), financiado pela União Europeia e em parceria com as Nações Unidas e organizações da sociedade civil (OSC), ajudou a reabilitar e equipar quatro Centros de Assistência Integrada. Instituições governamentais dos sectores do bem-estar social, saúde, justiça e polícia são a espinha dorsal da Iniciativa Spotlight em Moçambique, juntamente com mais de 20 OSC. Em conjunto, estas entidades atingiram mais de 1,9 milhões de pessoas, das quais mais de 1,1 milhões são mulheres e raparigas em 10 distritos das províncias de Gaza, Manica e Nampula.

 

Por Leonor Costa Neves com reportagem de Laura Lambo