Líderes comunitários aliam-se à luta contra as uniões prematuras em Moçambique

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Um líder comunitário conversa com uma família na Província de Gaza, em Moçambique. Foto: UNFPA Mozambique/Mbuto Machili
6 julho 2021

MAPUTO, Moçambique - “A nova lei contra as uniões prematuras é um grande marco para os líderes comunitários. Estou a divulgar a lei na minha comunidade e a alertar para as consequências das uniões prematuras” – disse Gonçalves Bernardo, um líder comunitário da província de Manica, treinado pela Iniciativa Spotlight.

Em Dezembro de 2019, o Parlamento Moçambicano aprovou uma nova lei que criminaliza as uniões com menores de 18 anos, com o apoio da Iniciativa Spotlight. Este foi o culminar de anos de esforços por parte do Governo e da sociedade civil, preocupados com o facto de quase metade das raparigas em Moçambique casarem antes dos 18 anos.

“A nova lei contra as uniões prematuras é um grande marco para os líderes comunitários" - Gonçalves Bernardo, líder comunitário da província de Manica

Apesar deste marco legal, receia-se que as restrições impostas pela COVID-19 possam resultar no aumento da taxa de uniões prematuras em Moçambique, tal como noutros países.

Para mitigar este risco, a Iniciativa Spotlight trabalha em colaboração com instituições públicas, com a sociedade civil e com uma rede de cerca de 300 líderes comunitários para educar as comunidades sobre os efeitos nocivos das uniões prematuras e sensibilizá-los sobre a lei recentemente  aprovada que as criminaliza.

O PAPEL DOS LÍDERES COMUNITÁRIOS

Armando Saíde Júnior, outro líder comunitário da província de Nampula capacitado pela Iniciativa Spotlight, disse: “O nosso trabalho como líderes comunitários [na prevenção das uniões prematuras] costumava ser difícil. Mas agora temos a nova lei e devemos implementá-la.”


Amade Saíde é um líder comunitário da província de Nampula. Ele foi capacitado no âmbito da Iniciativa Spotlight e hoje ajuda a prevenir e a denunciar casos de uniões prematuras na sua comunidade. Foto: UN Mozambique/Ricardo Franco
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Líderes como o Sr. Bernardo e Sr. Júnior trabalham em estreita colaboração com comunidades e organizações da sociedade civil, sensibilizando sobre as consequências do uniões prematuras e encaminhando casos para as autoridades governamentais dos sectores da saúde, acção social, polícia e justiça - que também foram capacitados para implementar a nova lei. O trabalho conjunto entre essas partes resultou no resgate de 15 raparigas do uniões prematuras, até ao final de 2020.

Além disso, cerca de 3 milhões de pessoas já foram informadas sobre a nova lei, juntamente com informações críticas sobre a violência baseada no género e a prevenção do COVID-19, no âmbito da Iniciativa Spotlight.

“Agora, o grande desafio é implementar esta lei no terreno, trabalhando com os nossos parceiros, o governo, a sociedade civil e as comunidades” – disse Antonio-Sánchez Benedito Gaspar, Embaixador da União Europeia em Moçambique.

UNIÕES PREMATURAS, VIOLÊNCIA E RISCOS PARA A SAÚDE 

As uniões prematuras podem ter um efeito devastador na vida de uma rapariga, desde expô-la à violência e a riscos para a saúde, até comprometer o seu futuro e os seus sonhos. De acordo com dados globais do UNFPA, as uniões prematuras geralmente são seguidas pela gravidez, mesmo quando uma rapariga ainda não está física ou mentalmente preparada.

Moçambique não é excepção, de acordo com o Censo Populacional de 2017, com 56% das raparigas casadas de 17 anos, tendo filhos. Nos países em desenvolvimento, as complicações na gravidez e no parto são a principal causa de morte entre adolescentes com idades entre os 15 e os 19 anos. Além disso, sabe-se que casar antes dos 18 anos aumenta em 22% o risco de sofrer violência praticada pelo parceiro íntimo.

COVID-19 E UNIÕES PREMATURAS - ENVOLVER LÍDERES COMUNITÁRIOS É CRUCIAL

Um estudo recente da ONU sobre o impacto da COVID-19 na Igualdade de Género e no Empoderamento das Mulheres na África Oriental e Meridional aponta para um aumento na violência baseada no género, gravidez na adolescência e uniões prematuras, em toda a região.

“O que me faz continuar é ajudar a evitar que as meninas engravidem ou se casem por serem pobres" - Augusto Cabide, líder comunitário da Província de Nampula

O encerramento das escolas, a pressão económica e o acesso limitado a serviços de saúde sexual e reprodutiva são vistos como alguns dos principais motivadores destes problemas, com consequências de longo alcance para mulheres e raparigas.

O mesmo estudo afirma que a COVID-19 pode ter interrompido os esforços actuais e planeados para eliminar as uniões prematuras, e o UNFPA estima que esses factores possam levar a um aumento global de 13 milhões de uniões prematuras entre 2020 e 2030.


Augusto Cabide é um líder comunitário da província de Nampula, que foi capacitado no âmbito da Iniciativa Spotlight para prevenir a violência baseada no género e as uniões prematuras. Na foto, o Sr. Cabide exibe uma cópia da "Lei da Família". Foto: UN Mozambique/Laura Lambo

“O que me faz continuar é ajudar a evitar que as meninas engravidem ou se casem por serem pobres. Eu não quero que isso aconteça.” – disse Augusto Cabide, um líder comunitário da Província de Nampula.

Restringir as uniões prematuras durante a pandemia da COVID-19 exigirá acção decisiva, mais investimento e o envolvimento activo dos líderes locais com as suas comunidades.

Como disse Isaura Nyusi, a primeira-dama de Moçambique, “os líderes tradicionais são guardiões das normas sociais e poderosos aliados para acabar com a violência baseada no género e as uniões prematuras.”

Através da Iniciativa Spotlight, o Governo de Moçambique, a União Europeia e as Nações Unidas continuarão a trabalhar lado a lado com a sociedade civil e com os líderes comunitários para acabar com esta prática devastadora.

Por Leonor Costa Neves com reportagem de Laura Lambo