Activistas apoiam sobreviventes de violência através de aplicativos de mensagens instantâneas

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Foto apenas para fins ilustrativos. O uso de ferramentas digitais, tais como aplicativos de mensagens instantâneas, ajuda a alcançar as mulheres e raparigas mais vulneráveis ​​durante a pandemia da COVID-19. Foto: UNICEF Moçambique
16 abril 2021

MAPUTO, Moçambique - Um potencial aumento nos casos de violência baseada no género durante a pandemia da COVID-19 exigiu a adopção de canais de comunicação inovadores para alcançar as mulheres e raparigas mais vulneráveis, num país onde uma em cada três mulheres sofre violência ao longo da vida.

A história da Beatriz *, de 47 anos, uma sobrevivente de violência doméstica, é um bom exemplo de como as organizações da sociedade civil apoiadas pela Iniciativa Spotlight – um programa financiado pela União Europeia – estão a recorrer a aplicativos de mensagens instantâneas para interagir com mulheres e raparigas em Moçambique, quando elas mais precisam. 

Denunciando a violência

“Para o meu marido, eu sou inútil. Não posso expressar as minhas opiniões. Ele leva todo o meu salário para fazer o que bem entender. Ele é dominador, despreza-me e humilha-me. Dói demais! Socorro."

“Para o meu marido, eu sou inútil. Não posso expressar as minhas opiniões. Ele leva todo o meu salário para fazer o que bem entender. Ele é dominador, despreza-me e humilha-me. Dói demais! Socorro." - Beatriz, 47 anos, sobrevivente de violência doméstica

Esta foi uma mensagem angustiada enviada pela Beatriz, para um grupo num aplicativo de mensagens instantâneas. O grupo foi criado pela Kutenga, uma organização financiada pela Iniciativa Spotlight, no seguimento de uma capacitação sobre prevenção da violência baseada no género, na qual a Beatriz participou.

Nesse grupo, que funciona como um fórum de discussão, são lançados periodicamente diferentes tópicos relacionados com a violência baseada no género. Tendo os tópicos como ponto de partida, os participantes discutem e partilham experiências.

Quando o tema “masculinidade tóxica” foi lançado no grupo, a Beatriz identificou-se imediatamente com o mesmo, e decidiu escrever sobre a sua condição.

Interagindo com sobreviventes

Assim que os activistas de Kutenga receberam a mensagem, compreenderam a opressão que Beatriz vivia. De seguida, contactaram-na em privado e, quando as restrições de prevenção da COVID-19 foram suavizadas, visitaram a Beatriz na sua casa. Durante a visita, aconselharam a Beatriz sobre como abordar o seu marido, e tentaram convidá-lo para uma sessão de capacitação só para homens.

Embora não tenha aceite o convite, o marido da Beatriz concordou com um telefonema. Durante a chamada, os activistas usaram uma linguagem adaptada para falar sobre temas delicados, tais como como igualdade de género, leis, violência baseada no género e as muitas formas que esta pode assumir – conceitos que o marido de Beatriz ouviu pela primeira vez. Os activistas também o ajudaram a compreender que o Governo de Moçambique, bem como as autoridades locais na sua área, estão a trabalhar para eliminar a violência contra mulheres e raparigas e para mudar comportamentos discriminatórios enraizados na masculinidade tóxica.

A chamada terminou num tom positivo e, aos poucos, a atitude do marido foi mudando.

“Vontade de deixar o meu marido não me faltou. Mas a vossa intervenção ajudou-me a mudá-lo. Ele já não é grosseiro e quando eventualmente me responde mal, agora tem a gentileza de pedir desculpas. Mas qualquer mudança negativa, aviso-vos.” – escreveu Beatriz noutra mensagem.

Mantendo o contacto

Comunicar através de um aplicativo de mensagens instantâneas teve um efeito poderoso na vida da Beatriz. Mas também ajudou muitas mais mulheres e raparigas a sentirem-se seguras e conectadas, especialmente durante a pandemia.

“Vontade de deixar o meu marido não me faltou. Mas a vossa intervenção ajudou-me a mudá-lo. Ele já não é grosseiro e quando eventualmente me responde mal, agora tem a gentileza de pedir desculpas. Mas qualquer mudança negativa, aviso-vos.” - Beatriz, 47 anos, sobrevivente de violência doméstica

Por exemplo, durante o período de encerramento das escolas, os parceiros da sociedade civil da Iniciativa Spotlight criaram grupos de WhatsApp para garantir que os alunos e alunas permanecessem conectados, informados e vigilantes sobre as raparigas mais vulneráveis ​​e em risco de sofrer violência. Estas organizações identificaram pontos focais entre os alunos, que encaminham casos para organizações da sociedade civil e serviços de resposta.

Embora as mensagens instantâneas não substituam as comunicações ou declarações oficiais por instituições governamentais, estas são uma ferramenta sustentável e flexível para agilizar e coordenar as respostas aos casos denunciados de violência. Todos os utilizadores concordam e cumprem com códigos de conduta estabelecidos para proteger a confidencialidade das informações compartilhadas.

Durante a pandemia da COVID-19, os parceiros da Iniciativa Spotlight já alcançaram mais de um milhão de pessoas, entre as quais mais de 500.000 mulheres e raparigas, através de rádios comunitárias, emissoras nacionais de TV e rádio, uso de megafones e aplicativos de mensagens instantâneas. Tudo isto integra o esforço liderado pelo governo para garantir que, durante a pandemia, as mulheres e raparigas tenham acesso a informações, apoio e serviços que salvam vidas, sem deixar ninguém para trás.

Quanto à Beatriz, ela recuperou o controlo sobre a sua vida e ganhou confiança para negociar mais igualdade no seu casamento. Ela agora está empoderada com conhecimento e, igualmente importante, não está mais sozinha: ela sabe que pode enviar uma mensagem rapidamente para a Kutenga, se um dia voltar a precisar de ajuda.

*o nome foi alterado

Por Leonor Costa Neves, com reportagem por Aníbal Cossa