“Não tenho vergonha de ser seropositiva” – superando formas de discriminação múltiplas em Moçambique

Community members in Gaza province, Mozambique, attend an information session provided by a visiting mobile clinic led by the Government of Mozambique with support from the Spotlight Initiative. Photo: Mbuto Machili/UNFPA Mozambique
7 junho 2021

MAPUTO, Moçambique – Casada aos 12 anos de idade, Gilda*, hoje com 34 anos, tinha todas as probabilidades contra si: é uma mulher rural, que sobreviveu violência física e sexual pelas mãos de dois maridos, e teve sete filhos. Após contrair o vírus do HIV através do seu segundo marido, este expulsou-a de casa, deixando-a pobre e doente.

A Gilda recuperou a confiança em si mesma com o apoio do Fórum Mulher, uma organização da sociedade civil que trabalha no âmbito da Iniciativa Spotlight, financiada pela União Europeia, como parte de um “Consórcio Contra a Violência Sexual”. A Gilda começou o seu tratamento antirretroviral, aprendeu novas habilidades e encontrou um novo propósito – ajudar outras mulheres vulneráveis ​​vivendo com HIV/SIDA, na província Nampula, de onde é natural.

“Não quero que nenhuma mulher passe o que eu passei”, diz a Gilda.

VIOLÊNCIA BASEADA NO GÉNERO E HIV

De acordo com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/SIDA (ONUSIDA), 2,2 milhões de moçambicanos vivem com HIV, o segundo maior número de pessoas vivendo com HIV no mundo. As mulheres são desproporcionalmente afectadas pelo vírus, representando 60% de todos os adultos que vivem com HIV, com uma taxa de prevalência de 9,8% entre as mulheres entre os 15 e 24 anos.

“A cada hora, quatro mulheres jovens e adolescentes contraem o HIV em Moçambique“ – Winnie Byanyima, Subsecretária-Geral das Nações Unidas e Directora Executiva da ONUSIDA, numa visita recente ao país

“A cada hora, quatro mulheres jovens e adolescentes contraem o HIV em Moçambique“ – disse Winnie Byanyima, Subsecretária-Geral das Nações Unidas e Directora Executiva da ONUSIDA, numa visita recente ao país.

Um estudo da Organização Mundial da Saúde de 2013 revela que as mulheres que sofreram violência por parceiro íntimo têm uma probabilidade 1,5 vezes superior de contrair o HIV, quando comparadas com mulheres que não sofreram violência cometida pelo parceiro. Muitas vezes, as mulheres enfrentam desafios para negociar sexo seguro. Isto é exacerbado quando elas dependem economicamente dos seus parceiros, ou quando o sexo é violento ou forçado.

Quando casadas prematuramente, as raparigas tendem a abandonar a escola, perdendo o acesso a informações sobre a prevenção do HIV, iniciando a actividade sexual demasiado cedo e tornando-se dependentes do cônjuge.

A confluência da união prematura, violência por dois parceiros íntimos, pobreza e infecção pelo HIV certamente expôs a Gilda a estas formas múltiplas e entrecruzadas de discriminação – deixando-a numa situação de extrema vulnerabilidade.

SUPERANDO FORMAS MÚLTIPLAS DE DISCRIMINAÇÃO

A Gilda foi abordada pela primeira vez pelo Fórum Mulher em 2019, como parte de um grupo de mulheres vulneráveis ​​que vivem no distrito de Mogovolas, na província de Nampula. Ela estava doente há muito tempo, mas estava relutante em procurar tratamento para o HIV, por medo do estigma.

No entanto, as activistas do Fórum Mulher perseveraram e gentilmente a persuadiram-na a iniciar o tratamento. Depois de algum tempo, a Gilda aceitou iniciar o tratamento antirretroviral e, à medida que se ia sentindo melhor, a Gilda encontrou um novo propósito: ajudar outras mulheres a superar situações semelhantes à sua.

“Não tenho vergonha de dizer que sou seropositiva. Pelo contrário, digo que sou uma guerreira. Eu venci uma batalha e vou lutar pelo bem-estar de todas as mulheres de Mogovolas” – Gilda, 34 anos, sobrevivente de violência baseada no género que vive com HIV

A Gilda participou numa capacitação para “matronas” (parteiras tradicionais, que também realizam ritos de iniciação) promovido pelo Fórum Mulher com financiamento da Iniciativa Spotlight. A capacitação equipou-a com conhecimentos e habilidades para prevenir e responder a casos de violência no género, e a Gilda se tornou-se uma activista voluntária da organização.

“Não tenho vergonha de dizer que sou seropositiva. Pelo contrário, digo que sou uma guerreira. Eu venci uma batalha e vou lutar pelo bem-estar de todas as mulheres de Mogovolas” – diz a Gilda.

Enquanto activista, a Gilda ensina mulheres vulneráveis ​​sobre a prevenção da violência baseada no género e mantém contacto regular com elas. Muitas vezes, ela conta a sua própria história para inspirar outras mulheres seropositivas a procurar tratamento, e ajuda-as a aceder aos serviços de saúde.

NÃO DEIXAR NINGUÉM PARA TRÁS

As mulheres e raparigas que são expostas a múltiplas formas de discriminação – como HIV/SIDA, violência, pobreza, tráfico, deficiência, albinismo ou pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais intersexuais (LGBTI) – muitas vezes precisam de maior protecção e apoio.

Organizações da sociedade civil que implementam a Iniciativa Spotlight lançaram uma série de iniciativas para promover o conhecimento e o acesso aos serviços de apoio, alcançando mais de 700 mulheres e raparigas vulneráveis ​​e seropositivas, desde 2019.

O Governo de Moçambique reviu políticas e instrumentos jurídicos importantes com o apoio da Iniciativa Spotlight, para fortalecer a protecção a estes grupos. Isto inclui uma Estratégia de HIV/SIDA para a Administração Pública, bem como avaliações aprofundadas do ambiente legal em torno do HIV/SIDA, entre outros.

O programa também apoia o Governo a expandir os serviços essenciais e a facilitar o acesso aos mesmos, através da formação dos seus quadros, da melhoria e ampliação dos gabinetes de atendimento existentes. Isto permitiu que mais de 400 mil pessoas, tal como a Gilda, obtivessem o apoio de que precisam.

*o nome foi alterado

 Em Moçambique, a Iniciativa trabalha com organizações como o Fórum Mulher, membro de um “Consórcio Contra a Violência Sexual”, uma parceria de sete organizações de mulheres que trabalham para prevenir a violência sexual e de género.

Adaptado por Leonor Costa Neves de uma história do Consórcio Contra a Violência Sexual