A comunidade escolar na eliminação da violência baseada no Género em Moçambique

A group of students in a classroom hold a poster about the domestic violence law.
The Spotlight Initiative in Mozambique has already trained more than 2000 adolescents and about 500 teachers as mentors and mobilisers to eliminate violence against women and girls and prevent child marriage. Photo: UNDP Mozambique / Mateus Fotine
12 setembro 2023

MANICA, Moçambique – Sentados com alguns dos seus alunos num banco do pátio da Escola Secundária de Madzicuera, em Gondola, Província de Manica, Flora Senguaio e Eugénio Francisco, dois professores-mentores daquela escola, contam como trabalham com os seus alunos para eliminar a violência na escola e prevenir a desistência escolar devido às uniões prematuras.

Em diferentes partes do mundo, mulheres, raparigas e adolescentes estão expostos a diversas formas de violência que os afastam da escola e colocam as suas vidas em risco. Em Moçambique, estima-se que 2.4 milhões de crianças, adolescentes e jovens estejam fora da escola (MINEDH e UNESCO, 2015).

“Hoje, os nossos alunos e alunas sabem o que é violência baseada no Género. Podem agir em defesa um dos outros". - Flora Senguaio, professora

Na província de Manica, professores-mentores que trabalham com a Polícia e o Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), instituições da justiça apoiadas pela Iniciativa Spotlight, informam estudantes sobre como combater diversas formas de violência, entre elas, a prática nociva das uniões prematuras.

As uniões prematuras, sobretudo de raparigas, é um desafio generalizado com uma prevalência superior a 30% ou mais em 41 países (UNICEF, 2019). Embora exista uma combinação complexa de factores subjacentes ao abandono escolar das raparigas, incluindo a pobreza e as normas sociais baseadas no género, as uniões prematuras são geralmente apontadas como uma das suas principais causas e consequências. Mais Educação e informação estão associadas a uniões e gravidezes mais tardios (UNICEF, 2019).

“Explicamos aos nossos estudantes que a violência não é normal, que a melhor forma de resolução de conflitos é o diálogo; falamos ainda dos mecanismos existentes de denúncia anónima a instituições como a polícia, o IPAJ, entre outras, que os podem apoiar na resolução de casos de violência ou de uniões prematuras”, começou por explicar Flora Senguaio, professora de Química há mais de 10 anos, e professora-mentora desde 2019.

A group of students in a classroom hold a poster about the domestic violence law.
Moçambique é um dos países do mundo com uma das mais altas taxas de casamento infantil, uma em cada duas raparigas casa antes dos 18 anos (InVIC 2019). Foto: PNUD Moçambique / Mateus Fotine

Flora conta que devido às suas palestras e acções de sensibilização, os seus estudantes, principalmente as raparigas, ganharam a coragem de relatar os episódios de violência ou uniões prematuras dos quais têm conhecimento, bem como agir através dos mecanismos de resposta e resolução.

Com o apoio da Iniciativa Spotlight, foi estabelecido um Mecanismo Multissectorial para a Prevenção, Denúncia, Encaminhamento e Resposta a Violência contra Crianças nas Escolas, Incluindo Assistência às Vítimas. Foi ainda partilhada com a comunidade escolar informação produzida de  forma amigável para as crianças, sobre a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras.

“Hoje, os nossos alunos e alunas sabem o que é violência baseada no Género. Podem agir em defesa deles ou dos outros, contando sempre com o apoio da comunidade escolar. Quando sabemos que há indícios de violência, alertamos o Conselho de Escola, que fala com a Polícia, e são feitas visitas às residências para averiguações. Além disso, também sensibilizamos os encarregados de educação em relação à violência baseada no Género e às uniões prematuras, divulgando as leis e os mecanismos de denúncia existentes”, conta Flora.

O lugar das raparigas é na escola

Mr Francisco, teacher, talk to his students about GBV and harmful practices
Flora Senguaio e Eugénio Francisco, professores na província de Manica, explicam os tipos de violência existentes e partilham informação sobre os sistemas de denúncia e encaminhamento de casos. Foto: PNUD Moçambique / Mateus Fotine

Eugénio Francisco também é um professor-mentor que tem informado os estudantes sobre violência baseada no Género, masculinidades positivas e sobre  a lei contra as uniões prematuras. O resultado tem sido positivo. “O nível de abandono escolar baixou muito nos últimos tempos, devido também à redução de uniões prematuras”, conta Eugénio.

“As crianças e os adolescentes entendem o valor da escola e sabem o que significa violência, levam também esse conhecimento para as suas casas. Depois, em paralelo, há um trabalho coordenado e integrado para a prevenção e combate às uniões prematuras e a resposta à violência no geral”, enfatizou.

Desde 2019, a Iniciativa Spotlight já formou mais de 2000 adolescentes e cerca de 500 professores como mentores e mobilizadores para a eliminação da violência contra as mulheres e raparigas e a prevenção e combate às uniões prematuras.

“As crianças e os adolescentes entendem o valor da escola e sabem o que significa violência, e levam esse conhecimento para as suas casas". - Eugénio Francisco, professor 

Para exemplificar o impacto das suas acções, o professor Eugénio revela dois casos de sucesso, que devido a um esforço coordenado entre o Conselho da Escola, os líderes comunitários locais, o IPAJ e a Polícia, culminaram no resgate das raparigas e na sua reinserção escolar.

“Eram dois casos potenciais de uniões prematuras envolvendo duas estudantes menores. Por norma da escola, fazemos regularmente a monitoria das turmas e notamos que duas alunas não vinham às aulas há algum tempo. Ficamos preocupados e fizemos o acompanhamento até localizarmo as meninas. Conversamos com elas e os seus pais e trouxemo-las de volta para a escola. Iam casá-las”, conta o professor. “Hoje, sim, elas estão onde devem estar: na escola”, conta Eugénio.

A Iniciativa Spotlight é uma iniciativa global das Nações Unidas que tem recebido o apoio generoso da União Europeia. O seu objectivo é o de eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas. Em Moçambique, a Iniciativa Spotlight é liderada pelo Ministério do Género, Criança e Acção Social (MGCAS) em parceria com as Nações Unidas e organizações da sociedade civil (OSC).

Por Mateus Fotine