A comunidade escolar na eliminação da violência baseada no Género em Moçambique
MANICA, Moçambique – Sentados com alguns dos seus alunos num banco do pátio da Escola Secundária de Madzicuera, em Gondola, Província de Manica, Flora Senguaio e Eugénio Francisco, dois professores-mentores daquela escola, contam como trabalham com os seus alunos para eliminar a violência na escola e prevenir a desistência escolar devido às uniões prematuras.
Em diferentes partes do mundo, mulheres, raparigas e adolescentes estão expostos a diversas formas de violência que os afastam da escola e colocam as suas vidas em risco. Em Moçambique, estima-se que 2.4 milhões de crianças, adolescentes e jovens estejam fora da escola (MINEDH e UNESCO, 2015).
“Hoje, os nossos alunos e alunas sabem o que é violência baseada no Género. Podem agir em defesa um dos outros". - Flora Senguaio, professora
Na província de Manica, professores-mentores que trabalham com a Polícia e o Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), instituições da justiça apoiadas pela Iniciativa Spotlight, informam estudantes sobre como combater diversas formas de violência, entre elas, a prática nociva das uniões prematuras.
As uniões prematuras, sobretudo de raparigas, é um desafio generalizado com uma prevalência superior a 30% ou mais em 41 países (UNICEF, 2019). Embora exista uma combinação complexa de factores subjacentes ao abandono escolar das raparigas, incluindo a pobreza e as normas sociais baseadas no género, as uniões prematuras são geralmente apontadas como uma das suas principais causas e consequências. Mais Educação e informação estão associadas a uniões e gravidezes mais tardios (UNICEF, 2019).
“Explicamos aos nossos estudantes que a violência não é normal, que a melhor forma de resolução de conflitos é o diálogo; falamos ainda dos mecanismos existentes de denúncia anónima a instituições como a polícia, o IPAJ, entre outras, que os podem apoiar na resolução de casos de violência ou de uniões prematuras”, começou por explicar Flora Senguaio, professora de Química há mais de 10 anos, e professora-mentora desde 2019.
Flora conta que devido às suas palestras e acções de sensibilização, os seus estudantes, principalmente as raparigas, ganharam a coragem de relatar os episódios de violência ou uniões prematuras dos quais têm conhecimento, bem como agir através dos mecanismos de resposta e resolução.
Com o apoio da Iniciativa Spotlight, foi estabelecido um Mecanismo Multissectorial para a Prevenção, Denúncia, Encaminhamento e Resposta a Violência contra Crianças nas Escolas, Incluindo Assistência às Vítimas. Foi ainda partilhada com a comunidade escolar informação produzida de forma amigável para as crianças, sobre a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras.
“Hoje, os nossos alunos e alunas sabem o que é violência baseada no Género. Podem agir em defesa deles ou dos outros, contando sempre com o apoio da comunidade escolar. Quando sabemos que há indícios de violência, alertamos o Conselho de Escola, que fala com a Polícia, e são feitas visitas às residências para averiguações. Além disso, também sensibilizamos os encarregados de educação em relação à violência baseada no Género e às uniões prematuras, divulgando as leis e os mecanismos de denúncia existentes”, conta Flora.
O lugar das raparigas é na escola
Eugénio Francisco também é um professor-mentor que tem informado os estudantes sobre violência baseada no Género, masculinidades positivas e sobre a lei contra as uniões prematuras. O resultado tem sido positivo. “O nível de abandono escolar baixou muito nos últimos tempos, devido também à redução de uniões prematuras”, conta Eugénio.
“As crianças e os adolescentes entendem o valor da escola e sabem o que significa violência, levam também esse conhecimento para as suas casas. Depois, em paralelo, há um trabalho coordenado e integrado para a prevenção e combate às uniões prematuras e a resposta à violência no geral”, enfatizou.
Desde 2019, a Iniciativa Spotlight já formou mais de 2000 adolescentes e cerca de 500 professores como mentores e mobilizadores para a eliminação da violência contra as mulheres e raparigas e a prevenção e combate às uniões prematuras.
“As crianças e os adolescentes entendem o valor da escola e sabem o que significa violência, e levam esse conhecimento para as suas casas". - Eugénio Francisco, professor
Para exemplificar o impacto das suas acções, o professor Eugénio revela dois casos de sucesso, que devido a um esforço coordenado entre o Conselho da Escola, os líderes comunitários locais, o IPAJ e a Polícia, culminaram no resgate das raparigas e na sua reinserção escolar.
“Eram dois casos potenciais de uniões prematuras envolvendo duas estudantes menores. Por norma da escola, fazemos regularmente a monitoria das turmas e notamos que duas alunas não vinham às aulas há algum tempo. Ficamos preocupados e fizemos o acompanhamento até localizarmo as meninas. Conversamos com elas e os seus pais e trouxemo-las de volta para a escola. Iam casá-las”, conta o professor. “Hoje, sim, elas estão onde devem estar: na escola”, conta Eugénio.
A Iniciativa Spotlight é uma iniciativa global das Nações Unidas que tem recebido o apoio generoso da União Europeia. O seu objectivo é o de eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas. Em Moçambique, a Iniciativa Spotlight é liderada pelo Ministério do Género, Criança e Acção Social (MGCAS) em parceria com as Nações Unidas e organizações da sociedade civil (OSC).
Por Mateus Fotine